Zedu

          Zedu é meu irmão gêmeo.
          Somos gêmeos bi-vitelinos, o que quer dizer que não somos fisicamente muito parecidos (para meu azar). Ele “puxou” à minha mãe: cabelos escuros, olhos verdes. Eu “puxei” ao meu pai: Cabelos mais finos na juventude (agora, a careca) e pele muito branca.
          Com certeza, é uma experiência bacana ter um irmão gêmeo.

          Primeiro pela constatação de que a criação não é predominante na formação da personalidade. Eu e Zedu tivemos a mesma criação, e somos personalidades bastante distintas. Eu sou muito mais tímido e introspectivo do que ele. Ele é muito mais intranqüilo e impaciente do que eu.
          Em segundo lugar, pela oportunidade de se ter uma referência direta ao longo da vida e poder comparar, claramente, como cada um direciona seu destino.
          Vou dar um exemplo: quando tínhamos 8 anos uma vendedora de cursos de inglês bateu na porta de nossa casa. Minha mãe nos chamou e perguntou se queríamos fazer o curso. Eram duas aulas semanais de duas horas cada, no centro da cidade. Iríamos e voltaríamos de ônibus coletivo (“circular”). Eu fui o primeiro a responder:
          - Não.
          Achei aquela estória de pegar ônibus e ir até o centro, muito complicada. Além disso, e esse foi o motivo principal, não queria parar de jogar bola em frente de casa, coisa que eu fazia toda tarde.
          O Zedu respondeu sim, talvez porque ficasse aborrecido em casa toda tarde sem nada para fazer (nunca teve nenhum jeito para futebol). Ou talvez porque viu uma oportunidade de conhecer mais gente e aprender outra língua.
          As conseqüências: com 16 anos o Zedu já falava inglês com fluência (coisa que eu não sei até hoje, quase trinta anos depois). Com vinte e tantos anos ele foi morar fora do Brasil, onde ainda vive (em Amsterdan, na Holanda) e eu continuo por aqui (apesar de ter ido algumas vezes para o exterior). No passaporte dele tem carimbos de 17 países diferentes. No meu são 4, sempre indo com intérpretes.
          Não estou reclamando, muito pelo contrário, joguei bola o quanto pude e depois fui passar calor em Florianópolis enquanto o Zedu passava frio na Europa. Como diz a canção do Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Além disso, o tempo nos faz aprender que nossas limitações não são obrigatoriamente um problema. Problema seria ignorá-las. Imaginem se o Zedu resolvesse virar jogador de futebol...
          Quando se tem um irmão gêmeo, uma coisa importante é não fazer da comparação, competição. Confesso que até o fim da adolescência eu sofri com essas comparações, justamente por achar que na maioria das vezes eu “saia perdendo”.
          Zedu é mais bonito que eu. Zedu era melhor aluno que eu. Zedu sempre foi mais extrovertido que eu. Mas tive personalidade suficiente para não ser o “pior dos dois” e sim “um dos dois” (apesar de muitas vezes ouvir as pessoas se referindo a mim como “o outro”).
          Na infância e adolescência eu e o Zedu brigávamos muito. Cada um queria impor seu ponto de vista ao outro. E, por conseqüência, descartar o ponto de vista alheio. Como se somente um fosse possível. Se ganhávamos de presente 2 carrinhos idênticos, logo achávamos um defeito em um deles e brigávamos pelo carrinho “sem defeito”. Eu, que além de tudo era menor, quase sempre perdia a briga.
          Acho que só paramos de brigar quando começamos a morar longe um do outro. Aí passou a existir uma saudade e admiração que antes não existiam.
          Hoje respeito muito o Zedu e vejo que ele me respeita também. Admiro a coragem que teve de ir morar fora do país, com o dinheiro contado, sabendo que teria de sobreviver sabe-se lá como. Achei bacana a maneira direta que teve ao assumir sua opção sexual, ainda na adolescência, deixando um possível sofrimento para quem tivesse preconceito e não guardando para si.
          Hoje não brigamos mais. Não há motivo, mesmo porque moramos a vários milhares de quilômetros de distância e nossas diferenças viraram até boas lembranças. Quando nos vemos, sempre por uma ou duas semanas, temos uma convivência muitíssimo cordial.
          Faz falta, é claro, seu mal humor que as vezes chega a ser engraçado. Suas “patadas”. Sua “tolerância zero”. O “homem bomba” destilando veneno só para dar umas boas gargalhadas.
          A última vez que nos vimos foi em fevereiro desse ano (2008). Passamos nosso aniversário juntos em Florianópolis. Na volta paramos em Curitiba, onde ele, seu namorado Ricardo, nossa mãe e Maria José conheceram nosso apartamento. De noite fomos jantar no Taisho, um ótimo restaurante de comida japonesa, e voltamos para casa bêbados de sake. Ricardo voltou dirigindo o carro da Siana que estava sem perspectivas de melhora.
          Siana, aliás, adora o Zedu.
          Poderia ficar mais várias páginas falando do Zedu.
          Mas não vou não.
          Quem não o conhece está perdendo.
          Quem o conhece sempre tem saudade.
          Espero que você volte a morar no Brasil, esse país que está tendo que decidir se vira um lugar sério e menos preconceituoso ou se continuará sendo esse atoleiro de lama, cheio de hipocrisia.
          Tenho esperança que o país melhore e que possamos em breve ter você por aqui.
          Beijo.
          Te amo.

Um comentário:

Eu e vocês disse...

Estive em Amsterdam em outubro e pude entregar pessoalmento o livro pro Zedu.
Foi muito bacana. Nos emocionamos e choramos.
Isso é viver...
Poder fazer coisas como essas é uma maravilha. É pra isso e por isso que a vida deve ser sempre
valorizada.
O que temos, meus amigos?
A vida.
E sabemos que não é pra sempre.
Então, vamos fazer tudo que pudermos dela!