Eu

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          Porque foi feito assim.
          E porque fui feito assim a partir de vocês.

          Nasci em Penápolis-SP.
          Filho de minha mãe Maria Cecília e de meu pai Celestino. Impressionante!
          Irmão gêmeo do Zedu. Para quem não sabe, sou três minutos mais velho. Na certidão de nascimento diz que eu nasci às 23:50 do dia 19 de fevereiro de 1971 e sou gêmeo de José Eduardo, nascido às 23:53.
          Somos os filhos caçulas do casamento do meu pai com a minha mãe. Meus outros dois irmãos desse primeiro casamento de meu pai são o Zé e o Lu.
          Depois meu pai se casou com a Carmen e tiveram minha irmã Ana Amália.
          Para quem não (n)os conhece ou está perdido no tempo, eu vou entregar a idade de cada um (hoje é 02/11/2007):
          Pai: 71 anos
          Mãe: Fará 71 na semana que vem.
          Carmen: 61 anos
          Zé: 43 anos
          Lu: 40 anos
          Ana Amália: 22 anos (vai fazer 23 no dia 24/11).
          Eu e Zedu estamos com 36 anos.
          Quando nascemos (eu e o Zedu), nossos pais haviam se mudado havia pouco tempo de Araras para Penápolis. Moramos em Penápolis mais uns 2 anos. Depois moramos em Presidente Prudente (dos 2 aos 4?), depois Assis (4? aos 6). Depois Marília (dos 6 aos 18, o Zedu, e dos 6 aos 19, eu).
          Depois o Zedu foi para São Paulo, Inglaterra (Londres e Oxford) e Amsterdan, na Holanda, onde está até hoje. Eu fui para Florianópolis, depois Joinville, depois Curitiba e agora estou morando em Resende-RJ.
          Até nos mudarmos para Marília, tenho poucas lembranças de minha infância e das crianças com quem convivi. São cenas meio desfocadas pelo tempo.
          Minha primeira lembrança é de estar no quintal de casa, em Penápolis, com o Zedu e com a Lê. Eu devia ter uns 2 anos. Escorreguei na casca de banana que a Lê estava comendo e bati a testa na quina de uma escada. Parecia cena de desenho animado. Uma marca de corte grande na minha testa me fez não esquecer nunca mais de olhar por onde eu ando. E marcou a lembrança na minha pele.
          Em Presidente Prudente lembro-me de ter jogado um rolimã num cacho de abelha. Não acertei o cacho porque não tinha força para isso. Mas quando o rolimã caiu, acertou em cheio a cabeça do Zedu, que também estava olhando para cima. Ele sobreviveu, com um enorme galo na cabeça, e eu com várias marcas do galho de chorão que minha mãe pegou pra me bater (ela diz que não se lembra de ter me batido, mas eu me lembro muito bem de ter apanhado).
          O terceiro flash de memória é em Assis, quando me puseram uns óculos pretos, quadrados e horrorosos na cara. E me fizeram usar aquilo (eu devia ter uns 4 anos!). Isso não se faz! Depois de um tempo me revoltei e joguei os óculos fora. Só voltei a usá-los aos 8 anos, quando já estava no segundo ano do primário e não conseguia ver o que estava escrito na lousa.
          Ainda em Assis, lembro de um bar que tinha um baleiro onde a gente comprava 10 chicletes por 1 cruzeiro.
          Pouco tempo depois a gente precisava de 1000 cruzeiros para comprar 1 chiclete.
          De Assis lembro também de ter subido num muro para ver uma mulher tomando banho pelada. Gostei bastante do que vi. Devia estar com 5 ou 6 anos.
          Ainda em Assis, lembro de ter quebrado uma ponta de um dos dentes da frente brincando com água na garagem de casa. Escorreguei e fui de boca no chão. Essa mesma cena aconteceria alguns anos depois, em Marília, no quintal da casa da Emílio Ribas. E ainda uma terceira vez jogando bola em uma praça de Rio Claro. Meus dentes da frente que eram grandes, e que ajudaram a fixar o apelido de Rato (dado pelo José Paulino, pai da Lê e do Fabião), quebraram em todos os lados e ficaram mais discretos.
          Outra lembrança de Assis foi uma aula contra o desperdício que levo comigo até hoje, dada pela “Tia Maria”, uma colega de trabalho de minha mãe. Aconteceu assim: Minha mãe precisou viajar de dia e nos deixou, eu e o Zedu, na casa da “Tia Maria”. Ficamos lá sossegados até anoitecer, quando começamos a reclamar que estávamos com fome. Como minha mãe estava demorando para voltar, a “Tia Maria” disse que ia pedir uns salgadinhos pra gente comer. Pediu para escolhermos o que queríamos e quantos de cada. Eu pedi 4 esfihas. Ela disse que era muito, mas eu insisti. Ela disse que, se eu não comesse, eu teria que encontrar alguém para dar a comida que sobrasse. Eu continuei dizendo que queria 4 esfihas. Quando chegaram os salgados, as esfihas eram bem maiores que as que eu estava acostumado a comer. Com muito esforço eu consegui comer 3. Conforme ela havia dito, eu teria que encontrar alguém para dar a esfiha que sobrou. Fomos para a frente da casa dela, já estava escuro, e ela me fez esperar alguém passar e ir sozinho oferecer a esfiha. Eram um pai e duas filhas. O pai aceitou, porque as filhas estavam com fome. Nunca mais me esquecerei disso. Raramente sobra comida no meu prato.
          As outras lembranças de minha infância são todas em Marília e estão bem resumidas no capítulo André e Du.
          Meus pais se separaram quando eu estava com 11 para 12 anos.
          Minha mãe nos levou, eu e meus irmãos, para Penápolis na casa da sua comadre Zezé Macedo. Era uma casa grande. Minha mãe pôs um filho em cada quarto (menos o Zé, que nessa época já estava na Faculdade, em Campinas). Quando veio falar comigo disse:
          - Você sabe que eu e seu pai estamos nos separando?
          - Sim.
          - Eu quero que você escolha com quem quer ficar. Volto em ½ hora.
          - Posso falar com meus irmãos?
          - Não. Queremos que você escolha sozinho.
          Acho que foi a ½ hora mais demorada e tensa da minha vida. Lembro-me muito bem da cena: o quarto, o armário embutido, as camas de alvenaria. E minha solidão.
          Uma criança de 11 anos entende as coisas pela perspectiva de uma criança de 11 anos. Eu sabia que a escolha que eu fizesse invariavelmente iria magoar um de meus pais. Além disso, iria mudar a vida de nós todos. Fiquei me questionando: E se somente eu decidisse ficar com minha mãe? Ela iria suportar a ausência dos outros filhos? Eu iria suportar a ausência de meu pai e dos outros irmãos?
          Eu percebia a separação de meus pais da perspectiva de uma criança que ouvia seus pais discutindo de noite, às vezes aos berros, e que entendia que aquilo tinha que terminar.
          Aos olhos da criança que eu era, a situação era a seguinte: Minha mãe infernizava a vida de meu pai com todo tipo de cobrança. Meu pai, que sempre foi uma pessoa calma, estava infeliz naquela condição.
          Mais tarde fui entender um pouco melhor o que estava acontecendo. Meu pai tinha conhecido outra mulher e se decidiu finalmente se separar de minha mãe. Depois de 18 anos e 4 filhos.
          Mas até aquele momento, naquele quarto, eu não sabia disso. Não sabia os reais motivos da separação (e nem queria saber). Só sabia que aquelas discussões pela madrugada já tinham passado da hora de acabar.
          A pergunta que me fiz naquele quarto, sozinho, com 11 anos de idade foi:
          “De quem eu gosto mais? De meu pai ou de minha mãe?”
          Nunca tinha me feito esta pergunta. E agora eu tinha que responder em ½ hora.
          Pensei na relação que eu tinha com cada um deles. Minha mãe era quem cobrava as tarefas, quem mandava a gente parar de brincar porque já era tarde. Meu pai estava sempre viajando. Mas, quando ficava em casa, tinha uma relação bem tranqüila comigo.
          Eu estava pensando dessa maneira quando minha mãe entrou de novo no quarto.
          -Escolheu?
          - Sim. Eu quero ficar com meu Pai.
          -É isso mesmo que você quer?
          - É.
          Foi assim que eu deixei de ser criança. Aos 11 anos de idade tive que direcionar como seria minha vida dali em diante.
          Fui morar com meu pai e me lembro dessa época como uma das mais felizes da minha vida. Apesar da tristeza de minha mãe.
          Moramos uns 3 meses em um hotel antigo da Avenida Sampaio Vidal, em frente ao Banco do Brasil (Hotel São Bento?). Naquela época ainda tinha o Cine Marília, onde hoje é o Banespa. Ali eu vi os primeiros filmes. O primeiro foi “Bernardo e Bianca”, um desenho muito animado dos estúdios do Walt Disney. Outro foi um filme sobre a dupla Milionáro e José Rico. Lembro da cena em que eles escolhem o nome da dupla. Eles se conhecem em uma pensão barata de São Paulo. Um pergunta para o outro: - Qual o seu nome? O outro, que mais parecia um mendigo, responde: - José Rico. O primeiro rebate: - Se você é José Rico, eu sou milionário.
          Meu pai trabalhava de manhã enquanto eu ficava na escola. Depois almoçávamos juntos, normalmente na lanchonete do supermercado “Pastorinho” na nove de julho, quase esquina com a Sampaio Vidal. Era um supermercado grande, com saída pela rua de trás. À tarde meu pai voltava para o trabalho e eu ia para o hotel e ficava fazendo as tarefas da escola e olhando para as paredes. Como não tinha mais o que fazer, acabei me tornando o melhor aluno da sala.
          Depois meu pai alugou um apartamento na Nove de Julho, quase esquina com a Santo Antônio. Ali moramos mais uns 6 meses até que meu pai comprou uma casa e a Carmen veio morar em Marília. Foi enquanto morávamos nesse apartamento que o Brasil perdeu a Copa de 82, naquele jogo contra a Itália, por 3 a 2, 3 gols do Paolo Rossi. Eu fiquei tão revoltado que pintei com giz de cera as portas e paredes do apartamento. Meu pai ficou puto. Mas não me bateu e nem disse nada. E só por não dizer nada eu entendi muito bem que ele tinha ficado puto. Dali em diante me comportei um pouco melhor.
          Quando a Carmen veio para Marília, nos mudamos para a casa da Rua Issamu Miura. A casa era bem grande, mas era longe de tudo pra mim. Antes, o ônibus para a escola demorava 10 minutos. Depois de nos mudarmos, demorava 45 minutos para ir e outros 45 para voltar. E eu, realmente, não tinha muito o que fazer depois que chegava em casa. Meu pai e a Carmen estavam apaixonados e eu, na pré-adolescência, revoltado com o mundo. Um belo dia, briguei com a Carmen, porque ela reclamou que o som estava muito alto, e eu disse que ia para a casa da minha mãe porque lá ninguém ia reclamar do volume do som. E fui. A música, meus amigos, que eu estava ouvindo, sem parar há horas, era “Ursinho Blau Blau” (deveria omitir isso, pois denigre irremediavelmente minha imagem).
          Foi assim que minha mãe teve de volta para casa mais um filho adolescente, para lhe atazanar um pouco mais a vida complicadíssima que ela estava levando naquela época.
          Cabe aqui um mea culpa:
          Mãe, sua valentia naqueles anos me serve de lição até hoje. Por isso sou uma pessoa persistente.
          Com você aprendi que às vezes a única saída é o trabalho. E que, com trabalho, as coisas melhoram, mais cedo ou mais tarde. Você é a mulher mais guerreira que eu conheço. Muito obrigado por tudo. E me desculpe tudo que eu fiz naquela época.
          Olha aí. Estou chorando.
          Mas vamos continuar porque, graças a Deus, minha vida não acabou na adolescência.
          Nessa época, fomos estudar no Colégio Cristo Rei. Colégio de padres e com uma estrutura muito melhor do que as escolas públicas onde fizemos o primário (“”E.E.P.G. Bento de Abreu Sampaio Vidal””) e o secundário (“”E.E.P.S.G. Prof. Amílcare Mattei””). Foi no Cristo Rei que conheci o Flávio, e através do Flávio, seu irmão Chico, o Duda, o Xexê , o Paulinho. Também no Cristo Rei conheci a Ana, a Angélica (irmã da Ana), as Isabelas (que foram minhas duas primeiras namoradinhas), e tantas outras pessoas que foram adolescentes no meio dos anos 80. A Elaine (hoje mulher do Chico), a Andrea (ex-namorada do Chico), a Paquinha (que eu conheci no Amílcare, e depois casou e descasou com o Flávio), a Renatona, que trabalhou comigo no Flor Pastel, a Solange (o primeiro beijo a gente nunca esquece), as amigas do Zedu: Carla, Mariana, Lígia, Tânia e Marilei (Marcilei?) (onde será que andam?). Dessas, a única de que sei é a Carla, que continua bacana e agora é mãe de 2 filhos bonitos.
          Ser adolescente nos anos 80 foi muito divertido. E, olhando de hoje, 20 anos depois, uma experiência bastante ridícula. Principalmente em relação à moda. Musicalmente teve toda a geração do rock anos 80 (Paralamas, Legião, Barão Vermelho, Titãs, Lobão - os melhores – e todos os piores: Metrô, Dr. Silvana e daí para baixo), o New Wave (B-52”s, Devo), os “darks” (The Cure, Joy Division), música eletrônica (Kraftwerk, New Order, Pet Shop Boys) e a música punk ou originária da cena punk (Sex Pistols, Cólera, Replicantes, Plebe Rude). Eu ouvia tudo isso. Tudo em vinil é claro. E detestava Bossa Nova.
          Em casa, nós infernizávamos a vida da minha mãe com todo tipo de surpresa desagradável. Ela, para ganhar algum dinheiro a mais, arranjava uns trabalhos em outras cidades (Araraquara, São Paulo). Nós aproveitávamos a ausência dela para fazer festas e outras festas.
          Já no fim dos anos 80 eu conheci o Valdir, a Renata e a Verinha, que são primas da Juliana, que foi namorada do Zé, meu irmão.
          Logo depois, fui estudar em Florianópolis.
          A vida é feita de escolhas. Ter ido morar em Florianópolis foi a escolha mais feliz da minha vida. Para começar, é um lugar belíssimo. O relevo, os morros, a Lagoa da Conceição, a Lagoa do Peri, o Morro das Pedras, Matadeiro, Lagoinha, Costa da Lagoa, etc, etc, etc. Dos lugares que conheço até hoje, somente as grandes pedras e montanhas do Rio de Janeiro são mais bonitos que Florianópolis. Por outro lado, Florianópolis tem dunas e praias de areia branquinha, limpas, e um sossego no ar que nenhuma outra cidade “grande” do Brasil tem. Além da beleza do lugar, fui para lá estudar em um dos melhores cursos de Engenharia Mecânica do Brasil, na Universidade Federal de Santa Catarina. Curso difícil, mas que, depois de 9 anos de experiência profissional (como engenheiro), posso constatar que forma, realmente, profissionais preparados para o mercado de trabalho em Engenharia Mecânica do Brasil. Portanto, profissionalmente também foi ótima a escolha de me mudar para Florianópolis. Outro ponto importantíssimo foi sair de casa e me virar sozinho. Aprendi a conviver com a solidão e não brigar comigo mesmo. Só me exijo aquilo que é realmente importante e aprendi a conviver com minhas limitações. Isso me tornou uma pessoa mais tranqüila e, talvez, um pouco mais seguro e confiante. Sei do que gosto e o que quero. E me dou espaço para gostar e querer outras coisas no futuro.
          Na Universidade e em Florianópolis conheci e convivi com todo tipo de gente. Ricos, com sobrenomes nacionalmente conhecidos, e pobres coitados. Ou pobres coitados, com sobrenomes nacionalmente conhecidos e ricos. Aprendi a olhar as coisas de mais de um ponto de vista, para ter uma visão mais abrangente e menos emocional.
          Conheci várias mulheres e por algumas me apaixonei.
          Perdi várias provas e poucas festas.
          No final me formei e fui trabalhar em fábricas, onde estou até hoje.
          Conheci algumas pessoas interessantíssimas (e outras gostosíssimas), que fizeram parte de minha vida lá. Pessoas de diferentes origens, de diferentes cursos, de diferentes interesses e interessadas em coisas diferentes, naturebas, junkies, pessoas ligadas a cinema, música e cultura, pessoas bitoladas em uma coisa só, ricos esnobes, pobres solidários, etc. etc. etc.
          Em Florianópolis já dormi muito bem e bem acompanhado e já dormi sozinho no chão.
          Aprendi a dar valor ao que é bom, mas continuo tomando vodka Raiska e vinho doce com meu amigo João.
          Morei com o Mezaroba, Buiú, Zé, Gaúcho, Belém, Gustavo, Rogério, Valéria, Babs, e outros de quem já não lembro mais o nome.
          Conheci a Marina, Evandro, Kaio, Babs, Branda, Secco, Augustinho, Fernandinho, Sal, Loló, Alice, Norberto, Binder, Ana (a amiga da prima do Mezzaroba) e tantas e tantas outras pessoas.
          Depois fui para Joinville, onde conheci a Siana, e muita gente com quem trabalhei junto. Gente com quem aprendi e continuo aprendendo minha profissão. Claudinho, Edemir e José Claudio são as principais referências. Tem ainda o Cleverson, Eduardo, Osvaldina, etc e etc.
          Em Curitiba conheci uma molecada muito bacana no trabalho: Caio, Érico, Felipe e Thiago.
          Em Resende estou há pouco tempo. Uma coisa bacana daqui é que as pessoas são mais abertas, conversam mais que no Sul.
          Eu sou a mistura de todos esses nomes citados. Me criei ao lado de vocês, ou convivi algum tempo com vocês. Aprendi um muito e ensinei um pouco. E assim a vida vai e eu continuo mudando um pouquinho a cada convívio. Tratando de me tornar uma pessoa melhor, absorvendo o que consigo, do bom que vocês têm.
          Beijos e abraços e até mais.

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