João

          Como vai meu amigo João?

          Eu estou hoje aqui no Rio de Janeiro. Sabadão, 19 de abril, 2008.
          Dia do Índio.

          Ontem acompanhei a gravação de umas músicas de um amigo meu que tá morando aqui, chamado Valdir. Ele tem umas músicas muito boas, mas tenho a impressão que você não gostaria delas. São músicas muito pessoais, românticas até. Mas não românticas mela cueca. Românticas no sentido de revelar uma intimidade. Letras boas e músicas agradáveis. Eu gosto muito. Mas acho que você acharia chato. Sei lá. Bom, tá na internet e se você quiser ouvir procure por “Lixo Extraordinário”. Ou Valdir Batone.
          Então. Durante e depois da gravação tomamos vários vinhos e eu acabei indo dormir umas 4 da manhã. Mas acordei cedo e bem disposto e, como não quero acordar meus amigos, estou aqui escrevendo pra você.
          Esse livro, para mim, tem a pretensão de encolher distâncias e dar umas voltas no tempo. Tudo com a intenção de retomar ou aumentar o contato com pessoas e amigos que gosto.
          Sei que se eu estivesse ainda morando em Florianópolis nos veríamos com bastante freqüência porque você é um cara que eu admiro. E com quem adoro tocar violão e conversar. E tomar vinho também, é claro.
          Lembro que nos conhecemos no “Berro D’água”. Você estava lá com o Augustinho. Vocês dois eram muito parecidos naquela época. Não a cara, mas o estilo. Os dois com cabelos lisos e compridos, jaquetas de couro, moto e um goró na mão. Acho que você foi com a minha cara e me ofereceu cerveja. Trocamos umas idéias. Achei bacana porque ninguém nos apresentou. Você simplesmente começou a conversar comigo, como se já me conhecesse.
          O “Berro D’água” foi, sem dúvida, o bar mais bacana que eu já freqüentei. Bar de roque. Tinha música ao vivo, quase sempre muito bem tocada. E tinha muitas menininhas. E nós éramos suficientemente jovens para termos cabelos grandes. E não tinha 0x0. Só saía de lá sozinho quem quisesse. E ninguém queria. E as noites eram perfeitas porque aconteciam mais coisas do que a gente imaginava quando saía de casa. E, quando a gente acordava no dia seguinte, estava com aquela sensação de satisfação. Aquele sorriso de orelha a orelha. Dá até vontade de agradecer aos céus por ter participado daquela época. Eu podia ter ficado em casa vendo televisão, ou estudando para as provas. Mas não, fiz questão de aproveitar minha juventude para fazer tudo que os velhos não fazem (ou pelo menos não com tanta freqüência). Agora que a juventude ficou no passado, pelo menos tenho a experiência de ter feito muita coisa que a maioria dos jovens de hoje não fazem, por ficarem em casa na internet ou estudando para as malditas provas.
          João, meu amigo, me deixe escrever um pouco a seu respeito para quem não te conhece.
          João é o cara mais sincero que eu conheço. Beira a falta de educação. Por ser tão sincero, não tem paciência para hipocrisias.
          João gosta de algumas músicas e detesta outras. Para infelicidade geral do João, as outras tocam na rádio e na TV o tempo todo. E estão cada vez piores. E até amigos começam a tocar as outras músicas.
          João não gosta de pagode e deixa claro. – Música de merda!
          João não gosta de música sertaneja e deixa claro: - Música de corno!
          João não gosta de bossa nova e deixa claro: - Música de bicha!
          João gosta de roque em rou. Das antigas. E blues.
          Só que precisa ser muito bem tocado. Porque, senão, João não tem paciência. Vai embora. E chama de porcaria.
          João toca bem pra caralho. De vez em quando. No dia a dia parece que se irrita com suas próprias limitações. Até deixa de tocar por uns tempos, de raiva.
          Lembro de uma noite em um pequeno bar no centro de Florianópolis em que o João depois de muita cuba cantou e tocou guitarra muito bem numa banda chamada Coronel Johnson.
          E tenho uma vaga lembrança de várias outras noites em que enchemos a cara. E ficamos conversando sobre todo tipo de assunto que não tenho mais com quem conversar. A criatividade dos Beatles. A idiotice das músicas que tocam nas rádios de maior audiência. As coisas que Jimi Page toca no violão. A facilidade e naturalidade como Jimi Hendrix tocava guitarra. O jeito que o Jorge Ben toca violão com a mão direita, que ninguém consegue imitar. Além de outros papos furados sobre música, bebida e mulher.
          João, meu amigo, sou hoje um bem comportado coroa moderno. Continuo trabalhando como engenheiro dentro de fábricas. E isso continua me dando uma vida confortável e cada vez mais monótona. Mas faço o possível para não ficar de saco cheio. Estou viajando com freqüência, tanto para o RJ como para SP e Curitiba. Tenho tocado bastante violão em casa. E tomado muito vinho. Estou inventando coisas para fazer, coisas que me dêem prazer. Por exemplo, escrever este livro. Quando acabar quero fazer outro, com a mesma idéia, mas com personagens fictícios.
          De vez em quando viajo também a trabalho. Mês passado fui para a França, tomar o vinho nacional deles, e ver como funcionam algumas fábricas de lá. São cheios de normas que não cumprem, mas dizem para todo mundo cumprir. (Me desculpem meus colegas de trabalho franceses por estar generalizando, mas foi essa impressão que ficou). Nós, brasileiros, somos menos organizados, menos educados, menos instruídos, menos nutridos. Mas, às vezes, menos é mais. Somos menos arrogantes, menos chatos, menos frescos.
          E tomamos banho todo dia!
          Encontrei com o Babs e a Loló lá em Paris num fim de semana. O Babs tava fazendo doutorado em Paris. A Loló tava fazendo doutorado em Oviedo, na Espanha, e foi lá a passeio. Passeamos igual turistas em volta do rio Sena, vimos a Notre Dame, fomos ao museu do Louvre e depois tomamos uma meia dúzia de garrafas de vinho nacional na casa do Babs. Muito bom. O Babs tá morando com uma mulher argentina bacana chamada Lia (Liliana).
          No segundo semestre desse ano devo viajar muito à Belo Horizonte, também a trabalho. Quando tiver uns dias livres dou um jeito de ir praí. Sei que agora estou morando longe daí, mas não custa convidar. Quando quiser venha aqui em Resende nos visitar. Tem cama pra dormir. Tem vinhos pra beber. Tem violões pra tocar. E tem rede pra deitar e ver o tempo passar.
          Grande abraço meu amigo João.

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