André e Du

          Tive uma infância maravilhosa, principalmente entre os 7 e 11 anos, quando moramos na Rua Emílio Ribas, 145 - Bairro Cascata, em Marília - SP.


          O André e o Du eram nossos vizinhos de frente, filhos da Dona Conceição e do Seu Dionísio.
          Nessa época o meu mundo tinha 4 quarteirões, um colégio e a Fazenda Cascata.
          Eu estudava de manhã na "EEPG Bento de Abreu Sampaio Vidal". Nossa casa ficava a uns 50 metros do colégio. O colégio ficava dentro da fazenda.
          À tarde a gente jogava bola em frente de casa. Ou jogava bet. Ou brincava de esconde-esconde. Ou jogava vôlei. Ou jogava tênis, com uma bola de espuma e sem rede. Ou fazia e soltava pipa. Ou fazia e andava de carrinho de rolimã. Ou jogava búrica até esfolar os dedos. Ou brincava de cabana quando o pessoal da prefeitura podava as árvores da rua. Ou ficava jogando War. Ou ficava jogando um monte de outros jogos que o meu irmão Lu me ensinava a jogar. Gamão, xadrez, ludo, damas, Banco Imobiliário. Ou brincando com nossa cadela dálmata que chamava Christie e que era linda. A gente soltava ela pra correr no cafezal da fazenda cascata. Ela, assim que percebia que estava sem coleira, corria, corria e corria. E a gente ficava correndo atrás dela com medo de não conseguir mais pegá-la. Ou a gente ia pegar mangas nas mangueiras da fazenda cascata. A coisa mais bacana era quando a gente tava lá em cima da mangueira chupando uma manga e via, do outro lado da árvore, outra manga maior e mais bonita. Aí dava um jeito de ir até lá e pegar. A gente ficava horas e horas igual macaco, subindo em árvore e comendo frutas. Ou a gente ia até a cachoeira das 3 quedas, na Fazenda Cascata. Ou a gente descia as encostas da cascata da Fazenda Cascata. Ou a gente subia naqueles pinheiros enormes da Fazenda Cascata. E ficava lá no alto, mais de 20 metros de altura, balançando junto com a árvore quando ventava. Ou arranjava uns tubinhos de alumínio e ficava soprando papel nos cachos de abelha. Ou fazia guerrinha uns contra os outros. Ou arranjando a melhor forquilha pra fazer o melhor estilingue. Ou fazendo bolinhas de borracha que a gente pegava nas seringueiras da Fazenda Cascata, deixava secando no sol em cima das folhas e depois esfregava com as mãos pra fazer as bolinhas. Ou a gente ficava comendo ponkã e fruta do conde que havia no quintal da casa do Du e do André. O quintal da casa deles tinha de tudo. Tinha coelhos. Tinha chuchu. Tinha horta com salsinha e cebolinha. Tinha hortelã. Tinha erva cidreira. Tinha gato. Tinha cachorro pequinês. Tinha a Sandra, que é a irmã mais velha do André e do Du, que era muito bonita. Ou a gente ficava comendo jabuticaba que tinha no quintal da nossa casa. Ou ficava subindo no telhado.
          Na época das festas juninas tinha quadrilha no colégio. O pessoal da rua de baixo (Clemente Ferreira) fechava a rua e fazia festa também. Tinha um terreno baldio do lado da casa do delegado Manhães, pai do Fernando e do Alexandre. Nesse terreno eles faziam pau de sebo, barracas com quentão e vinho quente. Aquela babaquice de mandar prender e mandar soltar. Pipoca. Bombinhas. Tracs. Pé de moleque. Doces. Muitos doces.
          Lembro muito das musicas de festa junina. Com sanfona. Acho que são as músicas mais alegres que existem. Naquela época eu pensava que as músicas de festa junina existiam desde sempre. E achava que elas iam existir pra sempre. Mário Zan.
          A casa onde morávamos era um barato. Pra começar, havia uma porta com um eixo no meio, que abria para os dois lados. Os banheiros eram redondos. A pia do banheiro, fora do banheiro. O chão, todo de madeira. A sala, a copa e a cozinha eram num nível mais baixo. Na copa tinha uma mesa enorme de mármore onde a gente ficava brincando de montar e depois ver, caindo em seqüência, pecinhas de dominó. As cadeiras dessa mesa eram pesadíssimas e viviam caindo. Principalmente quando eram as visitas que iam sentar. Na copa havia, também, um espelho até o teto onde a Christie, mais de uma vez, trombou com ela mesma. Um lado da casa era todo de janelas de vidro, do chão ao teto. Do outro lado, armários embutidos, do chão ao teto. A casa tinha dois quartos. Um para meu pai e minha mãe e outro para os quatro filhos. Eu e o Zedu dormíamos em um beliche. Eu em baixo, ele em cima. Aliás, lembro de uma vez que ele caiu lá de cima dormindo. O Zé e o Lu dormiam em um sofá cama.
          Dessa casa, dessa época, todas as lembranças são muito boas...
          A Rua Emílio Ribas tem só dois quarteirões. Começa lá em baixo, na Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes e termina na Avenida Cincinatina.
          Na Brigadeiro morava o Salada, que estudava com o Lu e nadava pelo Yara Clube de Marília: tinha várias medalhas, morava com a avó e era recordista juvenil de sei lá o quê. Perto da casa do Salada morava o Marquinho, a Simone e o Fernando Caetano. O Marquinho também estudava com o Lu e jogava bola de vez em quando com a gente em frente de casa. Cabeceava bem e forte. A Simone era, e ainda deve ser, muito bonita. O Fernando estudava comigo e hoje é repórter de campo da SportTV.
          Na Av. Brigadeiro morava, também, a Dona Iracema, minha professora da primeira série, numa casa muito grande e bonita. A Ivanise era a filha dela e era a menina mais bonita do colégio. E do bairro. E da cidade. Pelo menos dos quatro quarteirões da cidade que eu conhecia. Portanto, para mim ela era a menina mais bonita do mundo.
          A Avenida Cincinatina servia de fronteira entre a cidade e a Fazenda Cascata. Era ali que ficavam a escola, o bar da frente da escola, a casa da Yakult, de onde saía uma mulher com um carrinho vendendo Yakult, a casa do Vítor, que ficava do lado da casa dos girassóis, a do Pedrão, que era nosso vizinho bravo, de quem eu tinha muito medo porque era muito grande e gordo e vivia gritando com seus filhos e filhas. Só entrei na casa do Pedrão uma vez para tocar “Brasileirinho” no cavaquinho. Sei lá de quem era o cavaquinho. Acho que era do filho dele.
          Entre a Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes e a Cincinatina, paralela a ambas, ficava a Rua Clemente Ferreira que é onde aconteciam as festas juninas e onde morava também o Cassinho, ao lado do terreno baldio das goiabeiras, em frente a casa do professor Rino, que dava aulas de educação artística e ensinava os alunos a fazerem cadernos e aviõezinhos de papel. Ainda na Clemente Ferreira moravam (e ainda devem morar) a Joyce, que também estudava comigo, e o Yuri, que estudou com o Zé e é filho do dentista, que é uma figura simpática, cujo nome não me lembro agora. Lembro que nos atendia em sua própria casa, numa sala da frente, onde tinha (e ainda deve ter) uma cadeira de dentista. Eu sempre achei muito estranho alguém ter uma cadeira de dentista dentro de casa. Talvez ele não quisesse perder muito tempo até chegar ao trabalho. Sei lá...
          Do colégio, lembro que a gente cantava o hino nacional e o hino da bandeira todas as sextas-feiras. A professora de matemática era uma japonesa chamada Mioko. A cartilha chamava “Caminho Suave”. Tinha uma professora de Educação Moral e Cívica que dizia que na Rússia todas as casas eram ininterruptamente filmadas pelo governo, que vigiava e controlava a vida das pessoas. Os Estados Unidos eram OK e tinham vários Shopping Centers, para se comprar de tudo. O presidente da Rússia tinha cara de quem comia criancinhas e chamava Brechnev. O dos EUA chamava Jimmy Carter e tinha cara de tio Sam.
          No bar da frente da escola eu comprava pão e leite e, com o troco, chicletes Ploc ou Bubaloo e figurinhas do “Futebol Cards”. Também tinha aqueles sucos coloridos em forma de revolver, cacho de uva e carrinho, que eu adorava.
          Quando estava com quase nove anos aprendi a andar de bicicleta. Lembro que tinha vergonha de ser tão velho (!) e não saber andar de bicicleta. Vários garotos mais novos já sabiam. Alguns andavam até com bicicletas grandes pondo as pernas pelo meio do quadro, pois não tinham tamanho suficiente para pedalar sentados no banco. Outros já sabiam “empinar” e andavam um quarteirão inteiro com uma roda só. E eu mal conseguia andar sem que alguém estivesse ao meu lado para me segurar, se eu caísse.
          Mas, como todo mundo, depois de algumas quedas e alguns machucados e arranhões, eu aprendi a andar.
          Depois disso o meu mundo cresceu de tamanho.
          Dos quatro quarteirões que eu conhecia até então, e que era até onde minha mãe me deixava ir sozinho, passei a ir a lugares mais distantes. Primeiro começamos a ir até ao Patronado, no final da Clemente Ferreira, onde tinha um campo de futebol de grama e uma quadra de futebol de salão em que brincávamos – eu e o Lu - de gol a gol ou ficávamos brincando de perseguição de bicicleta. Foi no Patronato também que fiz a primeira comunhão. Antes da missa da primeira comunhão, como um pré-requisito para que pudéssemos pegar a hóstia, era preciso que nos confessássemos com o padre. Lembro de mal ter dormido naquela noite, pois no dia seguinte eu teria que confessar os meus pecados para o padre! O problema é que eu não tinha nenhum pecado para contar! E, se encontrasse algum, não me parecia razoável que tivesse que contar a um padre!
          No fim das contas, resolvi considerar pecado ter pensado que seria legal se fosse minha a namoradinha de um amigo meu.
          Confessei, envergonhadíssimo, meu pecado no confessionário. O padre me pediu para rezar 3 Ave Marias, 3 Pai Nossos e 3 Creio em Deus Pai (que eu não sei até hoje). No dia seguinte, continuei pensando que seria legal se fosse minha a namoradinha do amigo meu. Só que agora com a consciência mais tranqüila, pois eu já tinha confessado o pecado para o padre, que cobrou 3 rezas de cada, para me livrar do pecado. Eu rezei e, portanto, não havia motivo algum para me preocupar com isso. (A namoradinha do amigo meu chama Lígia e têm um capítulo só pra ela aí na frente, no livro).
         Quando eu tinha 11 anos meus pais se separaram e tivemos que nos mudar dessa casa e deixar para trás a vida que tínhamos levado até então.
          Foi o fim da minha infância.
          Foi, também, o final do convívio com o Du, o André, o Joãoponês, primo e vizinho do André e do Du, o Salada, o Marquinho, a Simone, o Fernando Caetano, o Cassinho, o Pedrão, a Joyce, o Manhães...
          Escolhi o nome do André e do Du para esse capítulo porque quando lembro deles, lembro de tudo isso. E porque quando lembro de tudo isso, lembro deles.
          Se não me engano, só nos vimos novamente uma vez, lá na chácara em Marília, na época em que o meu irmão Lu se casou.
          Tenho ótimas lembranças de vocês e espero que estejam bem.
          Mandem um grande abraço para a Sandra, a Dona Conceição e o Seu Dionísio.
          Se eu tiver um filho algum dia, desejo que ele tenha a infância parecida com a que nós tivemos.

Um comentário:

Eu e vocês disse...

Ainda estou à procura do André e do Du. Quem souber onde estão morando ou o telefone, por favor, me avisem. Ainda preciso entregar o livro pra eles.